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Filhos separados pela hanseníase, mães dilaceradas e um corpo desaparecido

Texto e fotos: Ed Wilson Araújo e Marizélia Ribeiro, professores pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão

Joana Terezinha de Freitas foi internada na Colônia do Bonfim em 1972 e deu à luz Manoel de Jesus Freitas, separado da mãe e entregue aos cuidados do Educandário Santo Antônio (Sociedade Eunice Weaver do Maranhão), em São Luis.

Em 1973 a criança foi dada como morta, mas a família nunca recebeu a certidão de nascimento nem o atestado de óbito. Até hoje, não há informações sobre internação hospitalar e o local onde o corpo teria sido enterrado.

O Ministério Público Federal (MPF), através do Inquérito Civil nº 1.19.000.000620/2024-05, está apurando o caso.

A reportagem mostra o envolvimento de presidentes do Educandário Santo Antônio (ESA) em duas adoções de bebês internados na instituição em 1972 e 1977.

Era 17 de outubro de 1972 quando um jipe azul e preto chegou à casa de Joana Terezinha de Freitas, em Miranda, na época um povoado do município de Itapecuru, a 137 quilômetros de São Luís (MA). Ao ver o carro, a vizinhança, temerosa, fechou as portas. Joana Freitas, diagnosticada com “lepra lepromatosa” quando estava grávida do seu décimo filho, aos 40 anos de idade, foi transportada para o leprosário Colônia do Bonfim (depois Hospital Aquiles Lisboa), lugar onde ficavam confinados os hansenianos do Maranhão.

Guia de internação de Joana Teresinha Freitas, em 09/10/1972
Relatório mostra que Teresinha de Jesus Freitas internou grávida de sete meses na Colônia do Bonfim

A sétima filha da família, Maria das Dores Freitas Marinho, a Dorinha Marinho, nunca esqueceu a cena da despedida. Ela e os irmãos se abraçaram, chorando, enquanto o pai, Ângelo Elesbão Marinho, preparava uma grande fogueira no quintal para queimar a cama, o colchão, as roupas e os outros objetos pessoais da esposa, atendendo à política de desinfecção dos doentes.

Naquela época, a lepra já não era mais doença de isolamento compulsório, segundo o Decreto nº 968, de 7 de maio de 1962, mas no Maranhão ainda imperava a política sanitária de desinfecção e isolamento dos doentes imposta pela Lei nº 610, de 13 de janeiro de 1949, do governo Eurico Gaspar Dutra.

Joana Freitas morou cerca de cinco anos na “cidade” dos hansenianos de São Luís, construída na Ponta do Bonfim, em 1937. Era um local ermo, de difícil o e bem vigiado, como determinava a política sanitária de isolamento social vigente. A Colônia do Bonfim tinha istração semelhante a uma prefeitura e sediava um convento para as freiras da Ordem Vicentina. As vicentinas faziam a conexão entre a Colônia do Bonfim e o Educandário Santo Antônio (Sociedade Eunice Weaver do Maranhão) sobre a transferência dos recém-nascidos, o fluxo das visitas e as informações sobre os filhos separados.

O nascimento e a suposta morte de Manoel

Lúcida, hoje aos 92 anos de idade, Joana Freitas lembra o parto e a única vez que viu seu filho Manoel de Jesus Freitas, sem poder tocá-lo, em 19 de dezembro de 1972, antes de a criança ser levada ao Educandário Santo Antônio.

“Quando eu senti as dores, mandaram buscar uma parteira, de nome Gilda, que morava do outro lado da praia do Bonfim. ei a noite com dor e uma hora da madrugada tive o menino. A parteira perguntou se eu queria ver a criança. Eu disse que sim. Aí, ela veio com o menino todo enrolado em um pano e descobriu apenas o rosto. Então eu vi que ele tinha um sinal no meio da testa. Vários filhos meus têm esse sinal entre os olhos”, enfatiza.

A maior preocupação de Joana Freitas, durante a sua internação, era saber como estavam seus filhos. Nos breves encontros com o marido, autorizados pela istração da Colônia do Bonfim, ela recebia notícias dos que haviam ficado em Miranda. Sobre Manoel, era sempre informada pelas freiras vicentinas Maria Pinto e Maria Silva (in memoriam): “a criança era bonita e estava bem”.

Em abril de 1973, quando Manoel tinha aproximadamente quatro meses de idade, Joana Freitas recebeu a visita de uma estrangeira que se comunicava através da freira canadense Rejeanne S.G.M (falecida em 09/12/2018), da Ordem Irmãs de Caridade de Montreal. “Ela tinha visto Manoel no Educandário Santo Antônio e desejava adotá-lo e levar meu filho para a Holanda. Eu disse que não doaria, ainda mais sem a permissão do pai. A estrangeira insistiu na adoção e chegou a falar com meu marido, mas ele também negou a adoção”, detalha. Após esse episódio, Joana Freitas conta que o pai tentou resgatar o filho no Educandário Santo Antônio, mas não lhe foi permitido ver a criança.

Joana Freitas lembra que, no mês seguinte, próximo ao Dia das Mães, ao não ver Manoel no grupo de crianças do Educandário Santo Antônio que foram visitar suas mães na Colônia do Bonfim, perguntou a uma funcionária daquela instituição pelo filho e recebeu como resposta que o menino estava bem, era muito parecido com ela, tinha o apelido de ‘Careca’ e estaria dormindo.

Em setembro de 1973, ados três meses da proposta de adoção de Manoel pela estrangeira, José Romão Freitas (in memoriam), também hanseniano e internado na Colônia do Bonfim, contou à sua irmã Joana Freitas do falecimento do sobrinho. O óbito lhe foi informado pela freira vicentina Maria Silva. “Por que a freira não deu a notícia diretamente para minha mãe?”, questiona Dorinha Marinho.

O comunicado seco da morte causou um novo trauma em Joana Freitas e deixou-a inerte. O marido, morando no interior do Maranhão e cuidando dos outros nove filhos, também acreditou na notícia do falecimento de Manoel. Naquele tempo, eles preferiram esquecer o novo trauma.

Denaide foi “desenterrada”

Desde 2007, a família Freitas, liderada por Dorinha Marinho, faz uma busca incansável para obter informações sobre o destino de Manoel. “Queremos saber onde está meu irmão. Ele foi dado como morto e nunca tivemos qualquer documento que comprove o óbito ou o enterro. O Educandário Santo Antônio nos deve explicações porque meu irmão vivia lá e está desaparecido”, enfatiza Marinho.

A dúvida sobre o óbito de Manoel Freitas só aflorou em 2007, 35 anos depois da notícia de sua morte, quando as famílias de ex-hansenianos submetidos a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia começaram a se organizar para receberem o pagamento da pensão especial mensal e vitalícia (Lei nº 11.520/2007). Naquela ocasião, Dorinha Marinho conheceu a ex-hanseniana Ângela Maria de Jesus Melo, que relatou ter ado por experiência semelhante com sua filha Denaide Maria Melo Carvalho, também nascida na maternidade da Colônia do Bonfim, em 18 de agosto de 1978 e dada como morta/enterrada.

Diferente de Joana Freitas, Ângela Melo diz ter “travado uma guerra” para obter informações do Educandário Santo Antônio. “Em nenhum momento me deram documento. Aí, eu disse: ‘Podem fazer comigo o que quiserem, mas não vão me impedir de saber onde está minha filha’. Eu ameacei fazer greve de fome e denunciar na imprensa. Eu tinha um parente na Polícia Militar, que me deu todo apoio”, declara. Na sua saga para “desenterrar” a filha, as idas à portaria do Educandário Santo Antônio foram constantes. “Depois de muita insistência, desde as primeiras horas da manhã, eu consegui entrar um dia às três da tarde. Então, eu vi a minha filha”, revela.

Denaide Carvalho mora atualmente com o marido e seus filhos no município de Raposa, na região metropolitana de São Luis.

Inquérito no MPF

Ao tomar conhecimento do caso de Ângela e da filha Denaide, e como não obtinha respostas sobre eventual adoecimento, internação em hospital, morte e destino do corpo pelo Educandário Santo Antônio durante mais de 10 anos, Dorinha Marinho apresentou denúncia à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF) em 2024.

O procurador Marcelo Santos Correa instaurou a Notícia de Fato nº 1.19.000.000620/2024-05, convertida em Inquérito Civil em 14 de agosto de 2024. Nos autos, Dorinha Marinho apresentou o batistério de Manoel de Jesus Freitas e duas listas de registro da internação da criança no Educandário Santo Antônio.

“Fui várias vezes ao Educandário Santo Antônio em busca de informações e documentos que comprovassem a morte de meu irmão. Depois de muito argumentar e avisar que eu pediria judicialmente as informações, lá pela quarta visita eu recebi um documento que mostrava que Manoel esteve vivo no berçário até 15 de março de 1973”, assevera Marinho.

Na relação de internos do berçário, assinada pela então presidente do Educandário Santo Antônio, Maria Inês Saboya, consta o nome de Manoel com o sobrenome Freire (e não Freitas), então com dois meses de idade. Em outra folha, logo abaixo do nome da criança, estão os nomes dos pais Ângelo Elesbão e Joana Teresinha, mostrando que Manoel de Jesus Freitas e Manoel de Jesus Freire eram a mesma criança.

Cópia de documento fornecido pela “Sociedade Eunice Weaver”/Educandário “Santo Antônio” e assinado, registrando a criança Manoel de Jesus Freire no berçário daquela instituição, aos dois meses de idade
Cópia de documento fornecido pela “Sociedade Eunice Weaver”/Educandário “Santo Antônio” mostrando Manoel de Jesus Freire como filho de Ângelo Elesbão e Joana Teresinha

“Não há dúvidas de que o meu irmão esteve lá desde o dia do nascimento, em 19 de dezembro de 1972, até a data da da então presidente Maria Inês Saboya, em 15 de março de 1973. Manoel de Jesus Freitas estava com dois meses de idade, quase completando três meses”, calcula Marinho.

A reportagem solicitou entrevista com a direção do Educandário Santo Antônio, presidido atualmente por Fátima Maria Bezerra Sabóia, mas ela não quis falar sobre o desaparecimento da criança. A instituição se manifestou no inquérito do MPF em 19 de agosto de 2024, respondendo os questionamentos do procurador.

Sobre a direção da entidade, o ESA informa que a gestão de Maria Inês Saboya encerrou em 1997, quando ela faleceu. Desde então, a presidente é Fátima Maria Bezerra Sabóia, em uma istração composta por 23 membros, não havendo mais “qualquer relação com a Colônia do Bonfim, nem mesmo com internos advindos da Colônia.”

O ESA reconhece que as crianças “advindas do Bonfim eram entregues pelas freiras da Colônia”; no entanto, “as freiras não participavam da rotina ou atividade do Educandário e nem o Educandário tinha vínculo com as Freiras.”

A instituição registra que desconhece qualquer negativa de contato de pais ou familiares com crianças internas. No mesmo documento, apensado ao inquérito, o ESA afirma desconhecer o fato relatado por Ângela Melo sobre a filha Denaide Carvalho dada como morta e enterrada.

Outra justificativa no inquérito diz não haver pedidos formais de documentos sobre Manoel. “Não há nenhum registro na Instituição de qualquer familiar ou pessoa com pedido de informações do então menor à época de nome Manoel de Jesus Freitas. Não houve qualquer pedido de documentos ou informação, nem verbal, nem por telefone, nem por escrito e nem judicialmente”, justifica.

Segundo o ESA, “em buscas pelos arquivos, não foi encontrado nenhum documento com o nome de Manoel de Jesus Freitas. O único documento encontrado em nossos arquivos são fichas do berçário que consta como nome de Manoel de Jesus Freire, com 2 meses, ou seja, nascido em janeiro de 1973, já que o documento é datado de 15 de março de 1973. Pelas informações encontradas não parece se tratar da mesma criança mencionada na notícia de fato.”

Adoções sob suspeita

A vulnerabilidade de crianças nascidas de mães hansenianas na Colônia do Bonfim, nos anos 1970, provocou desdobramentos inusitados e até adoções sem processo judicial. O Canadá era um dos principais destinos dessas crianças, algumas delas intermediadas pelas freiras da Ordem Irmãs de Caridade de Montreal.

Um dos casos apurados pela reportagem foi a adoção de Claudiomar da Conceição Ribeiro, filho biológico de Antonio Soares Ribeiro e Maria de Lourdes Conceição Ribeiro, dois ex-hansenianos já falecidos.

Claudiomar da Conceição Ribeiro nasceu na Colônia do Bonfim em 14 de fevereiro de 1976, mas só foi registrado em 17 de março de 1977, um dia antes de sua adoção pelo casal canadense Yves Denis Aubin e Rachel Bessette Aubin, ando a chamar-se Claudiomar Pascal Aubin.

A participação direta do Educandário Santo Antônio na adoção de Claudiomar Ribeiro se deu através da sua presidente na época, Adelaide Álvares de Carvalho, que foi declarante na certidão de nascimento e procuradora do pai da criança na escritura pública de adoção.

Cópia da Escritura Pública de adoção de Claudiomar da Conceição Ribeiro que teve como procuradora a então presidente da “Sociedade Eunice Weaver/Educandário Santo Antônio”

Em uma procuração, datada de 18 de março de 1977, Antonio Soares Ribeiro, pai de Claudiomar, nomeia como sua procuradora Adelaide Álvares de Carvalho, então presidenta do Educandário Santo Antônio “[…] para os fins específicos de requerer junto à Secretaria da Receita Federal o seu F, bem como, outros requerimentos e documentos quaisquer, relacionados com o outorgante, podendo praticar todos os atos, ar recibo, dar quitação, inerentes aos desempenhos dêste mandado, usar a cláusula ‘ad juditia’, inclusive subestabelecer”.

Cópia da procuração do pai biológico de Claudiomar da Conceição Ribeiro para a então presidente da “Sociedade Eunice Weaver”/Educandário “Santo Antônio” e usada na adoção da criança

Essa “procuração F” não menciona a finalidade de adoção nem foi assinada pela mãe biológica de Claudiomar, Maria de Lourdes Conceição Ribeiro, que era contrária à adoção, mas foi utilizada para essa finalidade junto ao cartório Oswaldo Soares, como se a presidente do Educandário Santo Antônio representasse formalmente o pai e a mãe da criança.

Cartas revelam conexões

Em uma carta para seu filho Claudiomar, datada de 8 de junho de 1995, Antonio Soares Ribeiro menciona ter enfrentado uma “grande barreira” por parte da esposa e de um dos seus filhos para entregar Claudiomar a Yves Aubin e Rachel Bessette, que lhe deram o nome de Claudiomar Pascal Aubin.

É surpreendente que a adoção de Claudiomar Pascal Aubin e a autorização para a sua saída do Brasil tenham ocorrido sem processo judicial e encerradas em apenas cinco dias – de 17 de março de março de 1977, data da certidão de nascimento, até 21 de março de 1977, quando o então vice-cônsul da Embaixada do Canadá no Brasil atestou não haver qualquer impedimento para a saída de Claudiomar Aubin do Brasil.

Documentos da Receita Federal e do BB registram o endereço de Claudimar Aubin na casa das Irmãs de Caridade de Montreal, em São Luís.

A participação direta das Irmãs de Caridade de Montreal fica documentada através de cartas da freira canadense Thérèse Yergeau a Claudiomar Pascal, em fotos e dois documentos emitidos respectivamente pela Receita Federal (DAFF) e pelo Banco Central do Brasil, que indicam a rua Paulino de Sousa, nº 243, no bairro Monte Castelo, em São Luís/Maranhão, como endereço de referência de Claudiomar Aubin no Brasil. O endereço é a residência oficial da Ordem Irmãs de Caridade de Montreal, um dos locais de permanência da freira canadense Rejeanne S.G.M quando estava em São Luís.

Crianças no primeiro plano. No segundo plano, a primeira mulher branca à esquerda, em pé, é Irmã Rejeanne S.G.M; a segunda em pé é a mãe adotiva canadense de Pascal, Rachel Bessette Aubin. A última à direita é a avó de Claudiomar Pascal

Claudiomar Pascal Aubin retornou a São Luís em novembro de 2024 para visitar seus familiares biológicos. “Meus pais canadenses não tinham filhos. Um parente deles, que conhecia a irmã Thérèse Yergeau, sugeriu que eles adotassem uma criança no Brasil com a intermediação dela”, relatou.

Os pais canadenses de Pascal, Yves Denis Aubin e Rachel Bessette Aubin, também adotaram outra criança nascida em São Luis, Marie Julie Aubin, que teria ido na mesma viagem de Pascal Aubin, aos quatro meses de idade, segundo documento de imigração. Na data da viagem, Marie Julie Aubin tinha apenas cinco dias de vida (data de nascimento 19 de março de 1977). Pascal afirma que sua irmã só teria viajado posteriormente com o padre Marcel Laurent e a freira Rejeanne S.G.M.

Já a procura por Manuel Freitas prossegue. Dorinha Marinho fez buscas em dois cartórios de São Luís para tentar encontrar a certidão de nascimento de Manoel de Jesus Freitas ou eventual documentação de doação, mas não há registros nos chamados livros-índice.

Adoção na coluna social

Além da participação direta de Adelaide Álvares de Carvalho na adoção de Claudiomar da Conceição Ribeiro, na coluna Momento Social, publicada no jornal “O Imparcial”, em 16 de janeiro de1972, a colunista e presidente do Educandário Santo Antônio, Maria Inês Saboia, publicou a fotolegenda referente a uma adoção: “Esta criança, linda e loira, foi interna no Educandário Santo Antônio. Aos dois meses, encontrou outros pais boníssimos. Ela agora está com nove meses e manda foto para esta colunista com os seguintes dizeres: ‘Tia Maria Inês: você foi a melhor pessoa que conheci, pois, por seu intermédio ganhei um papai, uma mamãe e três irmãozinhos. Neste Natal desejo a você todas as felicidades do mundo e que no ano novo haja possibilidades de você fazer felizes outros companheiros meu. Meus pais enviam recomendações e votos de feliz Natal e próspero ano novo. Beijinhos do Daniel”’.

A coluna social de Maria Inês Saboia celebra adoção do menino Daniel

No inquérito do MPF, o ESA enfatiza que não era gerido por freiras e refuta tanto a participação em adoções quanto a presença de estrangeiros nas suas instalações. “A Instituição desconhece qualquer pedido de adoção ou presença de estrangeiros em suas dependências, ao contrário, qualquer pedido de adoção sempre obedeceu estritamente a lei e somente ocorreu com autorização e acompanhamento da justiça através de processo judicial. Não há nenhum achado de registro sobre adoção estrangeira, bem como a presença de estrangeiros nas dependências do ESA”, afirma a instituição.

Outro anúncio de morte sem corpo

A reportagem ouviu ainda o relato de Lindalva Soares Lopes, hoje com 60 anos de idade, sobre o desaparecimento da sua irmã Claudeci Cutrim Soares, nascida em 1967 da mãe hanseniana Benedita Cutrim Soares e de Benedito Soares. Mãe e filha, conta Lindalva, foram separadas pela política de isolamento. “Papai, na época, viajou para morar no interior do Maranhão”, recorda.

Segundo a certidão de batismo da paróquia sediada na Colônia do Bonfim, Claudeci Cutrim Soares nasceu em 10 de junho de 1967, mas não há nenhum registro de que foi encaminhada para o Educandário Santo Antônio.

Claudeci Soares nasceu em 1967 e a família
nunca teve informações sobre o seu desaparecimento

Lindalva Soares Lopes explica que a sua mãe, falecida em 1988, morreu sem saber informações da filha separada.

“Nas buscas que eu estou fazendo para ter informações sobre a minha irmã, os relatos que eu tenho são de pedidos insistentes para doar a criança. A minha mãe negou e Claudeci foi dada como morta sem nenhuma comprovação. Eu queria pelo menos descobrir se a minha irmã vive ou se realmente veio a óbito, coisa que minha mãe nunca conseguiu saber e viveu a vida toda com essa incerteza, essa angústia”, enfatizou.

Em suas memórias, Lindalva lembra que quando era criança guarda a imagem da sua mãe chorando, com um papel nas mãos, que seria um comunicado sobre a morte de Claudeci.

Reparação extensiva aos filhos separados

As conseqüências da desagregação de famílias, incluindo os casos de crianças desaparecidas, dadas como mortas ou doadas, motivaram nos anos 1980 a criação do Morhan (Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase), entidade que orienta e acompanha ex-internos de colônias e filhos separados a buscarem as reparações de danos sofridos pela política de segregação.

Desde 2007 a lei indenizatória nº 11.520 garante pensão especial para os pais e as mães afetadas pelo isolamento. Outra lei, nº 14.736/2023 (regulamentada pelo decreto nº 12.312/2024), estabelece a indenização aos filhos de hansenianos isolados em colônias e também aqueles segregados em domicílios ou seringais na região Norte do Brasil.

Segundo o voluntário do Morhan e assessor do gabinete da Secretaria de Atenção Primária do Ministério da Saúde, Artur Custódio Moreira de Sousa, a política pública indenizatória é uma conquista importante, mas apenas parte da reparação dos danos causados pela segregação. “Tem aparecido casos de localização de filhos e mães e sentimos necessidade de fazer um programa de reencontros de pessoas desaparecidas. Há uma projeção de 20 mil filhos separados que estariam vivos hoje”, pontua.

Ele acrescenta que está em curso o funcionamento da Comissão de Memória e Verdade da Hanseníase, que inclui uma série de iniciativas para apoiar as famílias desagregadas pela política de isolamento compulsório.

Enquanto isso, a nonagenária Joana Freitas espera notícias sobre o seu filho Manoel. Se ele estiver vivo, completou 52 anos de idade em dezembro de 2024.

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O abandono da Feira das Tulhas e o descaso do poder público

Frequentadores, turistas, comerciantes e usuários do Centro Histórico estão denunciando o descaso em um dos mais importantes equipamentos daquele território cultural.

Segundo a denúncia, desde o início de janeiro de 2025 o Mercado das Tulhas, também conhecido como Feira da Praia Grande, a por vários inconvenientes como os interditados, escombros que se amontoam e áreas isoladas.

Esses problemas na infraestrutura causam insegurança, limitam a circulação das pessoas e a venda dos comerciantes.

A situação vem ocorrendo sem que a Prefeitura de São Luís, através da Semapa (Secretaria de Agricultura, Pesca e Abastecimento), que cuida dos mercados e feiras, apresente uma solução para estes e outros problemas que tem dificultado a convivência social e estão impactando negativamente para a imagem do Centro Histórico e da cidade Patrimônio da Humanidade.

Soma-se a essa negligência da Prefeitura de São Luís/Semapa uma situação de interdição em um dos restaurantes, gerando outros sinistros para os feirantes e freqüentadores. O descaso se agrava no período chuvoso, quando insetos e outros animais são observados no mercado.

Estas situações precisam ser resolvidas com urgência e responsabilidade, uma vez que envolvem o trabalho e a sobrevivência dos comerciantes que garantem o sustento de suas famílias.

Os denunciantes cobram melhorias na infraestrutura, garantia de segurança e o livre o dos turistas e frequentadores que valorizam a Feira das Tulhas, enquanto espaço cultural, através da gastronomia e dos projetos ali realizados, como o projeto Rádio das Tulhas e o Samba da Feira, que estão interditados neste momento e enquanto durar a situação de descaso.

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Carnaval ostentação muda o fluxo de público do continente para a ilha

Nos últimos dois anos, com ênfase, ocorrem alterações bastante perceptíveis no Carnaval de São Luis.

Uma delas: a eliminação do circuito Beira-Mar e o esvaziamento das festividades no Centro Histórico.

Outra: a realização dos grandes eventos ostentação, com artistas de fora, cachês estratosféricos, concentrando as atividades no circuito extensão da avenida Litorânea.

Entre outras tantas variáveis, a mudança da Beira-Mar para a Litorânea está modificando o fluxo dos foliões.

Quem acompanha há muito tempo o Carnaval de São Luís sabe que no ado havia uma grande agitação nas prévias, mas nos dias propriamente ditos reservados aos festejos de Momo ocorria uma debandada geral da ilha para o continente.

São Luís ficava “vazia” porque os grandes contingentes de brincantes corriam para a Baixada e outras regiões do Maranhão, onde os festejos eram atrativos (em alguns lugares ainda são), até mesmo para torrar dinheiro público à vontade.

Mas, desde 2023, o fluxo dos foliões mudou radicalmente. O que se observa é uma quantidade gigante de pessoas do continente lotando os festejos de São Luís, atraídos pelo Carnaval ostentação: atrações caríssimas, grandes estruturas, música baiana, sertanejo, funk e outros estilos rentáveis no comércio da música e dos negócios que movimentam o período.

É como se o Governo do Estado estivesse fazendo um Marafolia 5.0, tanto pela escolha do local – Litorânea – quanto pelo estilo musical.

O resultado é que tanto nas prévias quanto nos dias carnavalescos a capital fica lotada pelos moradores locais somados à migração de foliões do continente.

A grande concentração de público ou a ser na extensão da Litorânea do tipo ostentação. Já o Centro Histórico ficou apenas com os blocos alternativos e turmas saudosas do “Carnaval de rua”, além do desfile oficial da arela do Samba, organizado pela Prefeitura de São Luís.

Diante do “sucesso” do festejo ostentação do governador, o prefeito tenta fazer algo semelhante no Anel Viário, a chamada Cidade do Carnaval, mas não é a mesma coisa da megaestrutura da Litorânea, já fidelizada pelo público.

Em resumo: a cidade mudou, novas gerações ocupam as ruas, o saudoso “Carnaval alternativo” quase não existe mais. O axé tomou de conta da Litorânea e também da maior parte do Centro Histórico.

Junto com o lixo musical, as praias também viraram uma grande lixeira de garrafas de vidro, pets, copos, latas, camisinhas (e até absorventes!), guardanapos e outros detritos contaminando a nossa orla já imprópria para banho.

A Litorânea é um grande bloco de sujo! Pelo menos no nome temos algo dos antigos carnavais.

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Museu do Marceneiro guarda quatro décadas d’O Espanhol ou Manresana, em São Luís

A migração espanhola para o Maranhão tem uma referência histórica e afetiva bem interessante no ramo de marcenaria e movelaria.

Trata-se da empresa O Espanhol, ou Manresana, fundada por Marcos Félix Guillén Plaza, em 1984, localizada na rua Martins Hoyer, 7, Sítio Leal, vizinho ao Filipinho, em São Luís (MA).

Quadro de Marcos Félix Guillén Plaza na parede do Museu do Marceneiro

Em 2024 já se vão 40 anos de instalação do empreendimento.

Marcos Guillén chegou ao Brasil em 1955 e fundou a marcenaria e movelaria de muita tradição na cidade, gerenciada junto com a sua esposa Dolores Civit Simo Guillén.

Museu – O espaço abriga um atrativo especial, o Museu do Marceneiro, criado em 2004, onde é possível apreciar toda a maquinaria analógica utilizada para movimentar a fábrica e alguns objetos de uso pessoal de Marcos Guillén.

Os galpões da antiga fábrica hoje abrigam apenas a loja, onde é possível encontrar “quase tudo” em utilidades para o lar. Uma das qualidades da empresa é o bom trato com os funcionários. Alguns já têm 30 anos de casa e outros, aposentados, até hoje guardam as memórias da boa convivência com os fundadores da Manresana e dos seus descendentes.

No mural afetivo da empresa constam as fotos dos colaboradores, entre eles Antônio Francisco Costa, o famoso “Seu Costa”, hoje com 93 anos de idade. Uma das suas filhas, Fafá Lago, conta com orgulho a relação do seu pai no trabalho e a relação pessoal com os ex-donos e os descendentes da empresa. “Os pais da família Guillén e os filhos e sobrinhos são muito amigos nossos”, detalha.

Antigos clientes guardam sempre boas memórias da loja. Moradores antigos de São Luís afirmam que O Espanhol era na verdade uma escola informal de carpintaria, marcenaria e movelaria, colaborando na capacitação de profissionais especializados.

Origens – Manresana, outro nome para a empresa O Espanhol, faz referência à cidade denominada Manresa, uma província localizada ao norte de Barcelona, capital da Catalunha.

Manresa, capital da comarca do Plà de Bages, é definida pelos sites especializados em turismo como um lugar tranqüilo e de atrativos históricos e belezas naturais, como o Parque Natural Muntanya de Montserrat e a Basílica de Santa María de La Seo, de estilo gótico.

Um santuário de Manresa foi a morada de Santo Inácio de Loiola, fundador da Companhia de Jesus.

Veja abaixo mais imagens da Manresana ou O Espanhol:

Fachada no galpão da rua Martins Hoyer, 7, Sítio Leal, vizinho ao Filipinho.
Fachada moderna da loja
A loja tem fotos de Manresana, no alto da parede, lembrando as origens espanholas
Paineis de fotos homenageia funcionários
“Seu Costa”, funcionário antigo, tornou-se amigo da família Guillén
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Sesc abre inscrições para o eio Ciclístico 2024

Estimulando a prática desportiva, o Sesc realiza mais uma edição do tradicional eio Ciclístico, que acontece dia 17 de novembro. As inscrições iniciaram nesta sexta, dia 1º de novembro, pelo site centraldacorrida.com.br. A idade mínima para participação é 10 anos. São parceiros do evento o 24º BIS, Hélio Peças e Z Bikes. Os atletas concorrerão também a sorteios de bicicletas e órios.

Com caráter solidário, as inscrições são gratuitas por meio do site centraldacorrida.com.br e o recebimento da camisa será mediante a doação de dois quilos de alimentos não perecíveis, destinados ao Programa Mesa Brasil, na recepção do Setor Esportivo do Sesc Deodoro nos dias 14 de novembro, das 8h às 11h30 e das 13h30 às 20h; dia 16 de novembro, das 8h às 12h, e no dia da corrida, 17/11, na concentração.

Com trajeto de 13 quilômetros, o eio Ciclístico inicia às 7h30, na Praça Deodoro, seguindo pela Rua Rio Branco, Maria Aragão, Av. Beira Mar, Ponte José Sarney, Lagoa da Jansen, Av. dos Holandeses, Avenida Litorânea e finalizando no Círculo Militar.

Saúde, combate ao sedentarismo, melhoria da qualidade de vida e um momento de lazer para toda a família com um roteiro que inclui belos pontos da cidade do amor. Esse é o tradicional eio Ciclístico do Sesc, que nesta edição mais uma vez acontece em homenagem ao aniversário do Sesc Maranhão.

eio Ciclístico 2024
Dia: 17 de novembro, concentração a partir das 6h30, na Praça Deodoro, em frente ao Sesc
Saída: 7h30
Percurso: Praça Deodoro, Rua Rio Branco, Maria Aragão, Beira Mar, Ponte José Sarney, São Francisco, Lagoa da Jansen, Av. dos Holandeses, Av. Litorânea e encerramento no Círculo Militar 

Entrega das camisas
Dias: 14/11– Horário: 08h – 11h30 e 13h30 – 20h e dia 16/11 – Horário: 08h – 12h e 17/11, na concentração
Mediante a doação de 2kg de alimentos não perecíveis no ato do recebimento da camisa
Local: Unidade Sesc Deodoro, setor esportivo  

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Chico Discos: sebo de esquerda tem um inusitado cliente bolsonarista

Ed Wilson Araújo

No térreo de um dos sobrados mais encantadores do Centro Histórico de São Luís, decorado com livros, discos de vinil, CDs, capas de DVDs, revistas e tantos outros objetos retrô, um homem baixo, calvo, de voz mansa e óculos com aros retangulares prepara lentamente a massa de um delicioso pão de queijo, ao som de Antônio Nóbrega, rodando em uma sofisticada vitrola.

Acompanhado de café, uma das especialidades da casa, o lanche e a conversa são calmantes para o corre da cidade. No cruzamento das ruas São João e Afogados, número 393/397, o casarão azul, oxigenado por janelões, é pilotado por Francisco de Assis Barbosa, 63 anos, aposentado.

O café do Chico Discos é uma das atrações da casa. Foto: Instagram @chicodiscos

Nascido no município de Peri-Mirim, na Baixada Maranhense, ele migrou para São Luís aos 14 anos de idade. O gosto por livros vem desde os anos 1980, quando freqüentava as bancas e os sebos extintos da avenida Magalhães de Almeida, na parte velha da cidade. “Antonio dos Prazeres era o que mais vendia livros, não pelo título, mas pela espessura da obra. Alguns até tinham conhecimento dos autores, mas tem dono de sebo que não gosta de leitura”, compara.

Dois outros sebos – Papiros do Egito e Poeme-se – fizeram parte da sua formação de livreiro. Desde então virou um leitor compulsivo “dos clássicos russos aos brasileiros”, pontua. Uma das suas leituras preferenciais, na atualidade, é o chileno Roberto Bolaño, autor de “Os detetives selvagens” e “2666”.

Com o tempo, Francisco Barbosa virou Chico Discos, um empreendimento que já ou por quatro endereços. Tudo começou em março de 2005, na Fonte do Ribeirão, com um sebo e locadora de DVD. Mudou para a rua 7 de Setembro, em 2008; e ficou dois meses na rua dos Afogados, até fincar raízes no atual endereço.

PROMISCUIDADE CULTURAL

Ainda não há um consenso sobre os usos da expressão sebo. Ela pode servir para designar algo surrado, como os velhos cadernos de anotações de compra a crédito (os fiados) nas quitandas de feira.

Decoração atrai também pessoas interessadas em selfie. Foto: Instagram @chicodiscos

A pessoa que lida com sebo é também designada como alfarrabista ou vendedor de obras antigas. No geral, o lugar do comércio ou troca livros usados faz referência a algo ensebado ou velho de tanto uso e manipulação ao longo do tempo. Sebo é lugar de coisas sebosas, mas geralmente freqüentado por gente asseada.

O proprietário define o Chico Discos como “sebo promíscuo”, lugar onde se compra, vende e troca livros usados e discos de vinil. Além de sebo e livraria, o ambiente é um bar, cafeteria, cachaçaria e livraria, porque também vende livros novos.

Vez por outra o sobrado instagramável recebe eventos “só para amigos seletos”, alerta Barbosa. Entre eles, os mais antigos. “Por exemplo, gente que era estudante quando ia ao sebo na Fonte do Ribeirão e hoje é professor universitário”, detalha. Mas o ambiente é freqüentado por uma clientela variável. “Alguns vêm aqui só para tirar foto, tomar café, beber ou procurar obras exigidas para as provas de Língua Portuguesa e Literatura nas universidades públicas”, explica.

Tem sempre música boa tocando no ambiente. Foto: Instagram @chicodiscos

Leitor contumaz, ele manifesta a óbvia preferência por vender livros, mas revela que as bebidas, os lanches e os petiscos têm boa procura. Em 2005, antes da sua aposentadoria, ele tirou um ano de licença sem vencimento para se dedicar integralmente ao sebo. Indagado sobre a viabilidade do empreendimento, vai direto ao ponto: “Não tem romantismo no comércio. Livro é mercadoria.”

MARANHÃO: POTÊNCIA EDITORIAL

A frase emblemática do sebista remete à São Luís do ado, quando havia um vasto mercado livreiro turbinado pela máquina de produção editorial das tipografias e a pujança dos jornais impressos. A obra de doutorado de Roberto Sousa Carvalho, “Maranhão, província tradutora: livros e tradutores em São Luís do séc. XIX”, publicada pela Editora da UFMA (2022), apresenta argumentos e dados estatísticos sobre o expressivo movimento intelectual focado na tradução de grandes obras literárias publicadas na Europa, principalmente. 

“A participação de tradutores na vida editorial da cidade de São Luís, durante o século XIX, é forte indicativo de que o especializado trabalho que realizaram ia muito além da simples necessidade de títulos estrangeiros ditada pelo mercado editorial – negócio livreiro, aliás, que apenas se iniciava no Brasil. Daí a assunção: o trabalho de tradução, em solo maranhense, permite que se o encare como resultante de uma orientação de caráter coletivo, tamanha a quantidade de especialistas que labutaram nesta seara.”. (CARVALHO, 2022, p. 20)

Pesquisa de doutorado resultou no livro “Maranhão, província tradutora”

“Cerca de 45 tradutores maranhenses verteram para a língua portuguesa 266 títulos, sem computar outras 97 traduções de não nascidos na Província e de anônimos, o que fez São Luís se equiparar ao Rio de Janeiro, porque foram as únicas províncias brasileiras a se destacar no campo da tradução, no século XIX.” (CARVALHO, 2022, p. 41)

Figuram entre os tradutores Odorico Mendes, Sotero dos Reis, Cândido Mendes, Gonçalves Dias, Estevão Rafael de Carvalho, Felipe Conduru, Antonio Rego, Pedro Nunes Leal, José Ricardo Jauffret, Cesar Marques, Joaquim de Sousa Andrade (Sousândrade), Henriques Leal etc.

Edição de “Os miseráveis” é uma das preciosidades da coleção de livros raros do pesquisador Roberto Carvalho

Havia ainda os tradutores anônimos. Poucos meses depois de publicado na França, em 1862, o clássico “Os miseráveis”, de Victor Hugo, já estava convertido para o português, em São Luís, através de uma parceria entre as tipografias de Belarmino de Mattos e de Corrêa de Frias, informa o escritor Roberto Carvalho, apontando o detalhe: “Os miseráveis” ludovicense não tem a identificação do tradutor.

Para saber mais sobre os tradutores, e aqui o podcast Escuta Ciência.

A TRÓIA DE NAURO MACHADO

A pesquisa de Carvalho corrobora também o desmonte de uma versão equivocada sobre São Luís ser a “Atenas Brasileira”, quando apenas uma fração da elite local sabia ler e escrever, em uma cidade onde a maioria da população era analfabeta, ainda no contexto da escravidão.

Denominar-se “Atenas Brasileira” nunca foi exclusividade da província do Maranhão. Algumas cidades, revela Carvalho, atribuíam-se o título relacionado à urbe intelectual grega.

“Em uma rápida inspeção nos jornais brasileiros do oitocentos, verificaremos que aparecem o qualificativo Atenas Brasileira para outras cidades/províncias. Este é o caso, por exemplo, de São Paulo e Bahia. Ao que se percebe, o título é uma referência genérica, emprestado a algumas localidades por alusão aos intelectuais e às suas produções, assim como porque sediaram instituições científicas-educacionais de destaque.” (CARVALHO, 2022, p. 20)

Para o poeta Nauro Machado, São Luís nunca foi Atenas. Era uma Tróia devastada na relação de amor e ódio com o escritor. A referência a Tróia aparece na obra do filósofo Marco Rodrigues, denominada “Hermenêutica da angústia: freqüências existenciais através da poética de Nauro Machado”, publicada em 2022, pela Editora Dialética.

Segundo o autor, o poeta vivia um tipo de exílio em sua própria cidade, como se fosse um pária ou estrangeiro, às vezes incompreendido, angustiado em uma eterna solidão; e, em outras situações, muito elogiado e reconhecido.

Obra do filósofo Marco Rodrigues analisa “O anafilático desespero da esperança”, livro do poeta Nauro Machado

“A imagem de São Luís como uma Tróia arrasada, em contraposição a Atenas, é que as suas personas e respectivas vozes, as que de fato as representa com escol e brilhantismo, são inteiramente ignoradas, quando não silenciadas pela ignorância, tornando-as párias do descrédito. Nauro, nesse contexto, é uma ilha dentro da Ilha, um exílio existencial em suspensão num fora-dentro, nessa Ilha-Tróia que se encontra sempre sob ameaça de invasões, pilhagem, descaso, saques e destruição – apesar de resistir bela mesmo em condição de ruína e decadência”, explica Marco Rodrigues.

Veja abaixo uma demonstração da Tróia arrasada em que vivia Nauro Machado.

UM PREFÁCIO INDESEJADO

Quando o poeta completou 50 anos de idade, em 1985, mereceu uma reportagem especial no caderno Alternativo, do jornal O Estado do Maranhão, hoje extinto, mas à época vinculado ao Sistema Mirante de Comunicação, conglomerado de mídia sob a propriedade da família liderada por José Sarney.

PH se queixa do prefácio não elogioso. Imagem: reprodução do jornal O Estado do Maranhão (Acervo da Biblioteca Benedito Leite). Foto: Ed Wilson Araújo

Em meio aos vários elogios, a publicação também imprimia, na Coluna do PH, editada pelo colunista social Pergentino Holanda, uma severa crítica ao poeta.

Este repórter consultou o jornal nos arquivos da Biblioteca Pública Benedito Leite. Na edição de 2 de agosto de 1985, na Coluna do PH, com o subtítulo “Parabéns à poesia”, constam as seguintes notas:

As notas ácidas do PH. Imagem: reprodução do jornal O Estado do Maranhão (Acervo da Biblioteca Benedito Leite). Foto: Ed Wilson Araújo

“Nauro Machado faz, hoje, 50 anos de idade”

“Trata-se de um homem de quem me julguei amigo, em face das recíprocas demonstrações de cordialidade que marcaram certo período do nosso relacionamento. Mas em face, justamente, dos malentendidos que nos levaram a sérias e cáusticas divergências, inclusive como contendores de renhidas batalhas na imprensa, não somos, presentemente, amigos. Nem creio que venhamos, de novo, a sê-lo.”

Após um trecho em que tece elogios à poesia como expressão da cultura, PH volta à carga:

“De lado fica o homem que respondeu com farpas e pequenas agressões às demonstrações públicas de reconhecimento ao seu talento. Esquecido fica o homem que não teve a grandeza de rever seu compromisso de prefaciar meu livro de estréia – “Existencial de agosto”. De fato, como acertado, o prefácio foi escrito. Nele, porém, se registra as inflexões de um caráter que não pode ser exemplar.”

Na foto acima, Nauro Machado e Josué Montello em noite de autógrafos. Imagem: reprodução do jornal O Estado do Maranhão (Acervo da Biblioteca Benedito Leite). Foto: Ed Wilson Araújo

O ranço de Pergentino Holanda decorria de um pedido feito a Nauro Machado para que prefaciasse o livro do colunista. O poeta relutou, até que escreveu um prefácio não elogioso, resultando na ira de PH.

Seguem, na mesma página, outras notas pejorativas fazendo referência aos conflitos entre o poeta, o escritor Josué Montello e o presidente da Academia Maranhense de Letras (AML) Luis Rêgo.

OUTRA SÃO LUÍS

Enfim, se nunca chegou a ser Atenas, aquela cidade ilustrada pelas elites intelectuais acabou. Não existe mais! Hoje, está reduzida a pequenos e saudosos espaços de produção e circulação da Literatura, como os sebos, por exemplo. Nauro Machado, na São Luís de 2024, seria insultado direta e indiretamente pela completa destruição da política cultural do Maranhão e da capital, São Luís, onde impera a barbárie “forrozeira”, “sertaneja”, “piseira” e de “axé music” nos grandes eventos junino e carnavalesco bancados com dinheiro público.

As imagens aéreas desses espetáculos grotescos dão a impressão de que São Luís, Cidade Cultural Patrimônio da Humanidade, é um enorme terreiro de vaquejada.

Nesse caso nem caberia uma comparação à Tróia de tantas batalhas gloriosas, mas a um “latifúndio cultural”, como bem colocou o poeta e compositor Joãozinho Ribeiro, em artigo publicado neste blog.

Voltando à personagem Chico Discos, quando perguntado sobre o trato com a clientela, ele lembra várias situações inusitadas. Conta que toda semana aparece alguém estranho. Quando o sebo funcionava na Fonte do Ribeirão, um senhor separou uma pilha de discos de vinil, ou duas horas escolhendo e disse que ia levar todos, mas no final revelou que não tinha radiola. Na lata, Chico pensou alto: “Quem não tem gaiola não compra curió.”

Eleitor declarado de Lula, sua preferência partidária é facilmente perceptível pela disposição das capas das obras de esquerda nas estantes, com destaque para livros com as imagens do MST e do petista presidente. “Ponho alguns exemplares estrategicamente posicionados para espantar bolsonaristas”, enfatiza.

QUEM É O LEITOR DE DIREITA?

Embora o ambiente lulista seja freqüentado por artistas, estudantes, professores, ativistas e afins do campo progressista, a clientela tem algumas variações. Entre os casos atípicos está o cliente pastor evangélico e deputado federal (reeleito) Gildenemir de Lima Sousa, do PL.

Biografia de Lula é destaque na estante. Foto: Instagram @chicodiscos

Ludovicense, neto e filho de evangélicos da Assembleia de Deus, ele cultiva a leitura desde criança. “Meu pai era pastor, tinha livros, e minha mãe era muito leitora. Ela lia a bíblia junto comigo. Desde cedo eu tive o aos clássicos: os russos Dostoiévski e Tolstói, Thomas Mann e André Gide e Marcel Proust, Homero, Dante, Cervantes, os alemães, ses e a literatura brasileira”, revela. De todas as leituras, afirma que só não concluiu “Ulysses”, de James Joyce. “Já fiz várias tentativas e não consegui. Acho intransponível”, sinaliza.

Formado em Teologia, o pastor estudou Jornalismo na UFMA, mas não concluiu o curso.

Os seus livros – ele computa cerca de 10 mil volumes – estão armazenados em duas bibliotecas, em São Luís e Brasília. Segundo o pastor parlamentar, a leitura é um misto de necessidade e prazer. A sua preferência pelos clássicos russos, revela, se dá pela complexidade das personagens e a identificação do leitor com elas. “Eu me encontro ali naqueles perfis. A Literatura contribui para eu entender a alma humana. Por isso, desde os 16 anos de idade ei a assumir liderança na igreja. Eu comecei servindo os pastores, viajando durante 23 anos. Quando eu resolvi ser político, meu nome foi indicado por esses laços”, conta.

Pastor Gil e Josimar de Maranhãozinho: partes do bolsonarismo no Maranhão. Foto: divulgação

Questionado sobre a incompatibilidade entre o bolsonarismo e o conhecimento, afirma que a leitura é uma forma de trazer ensinamentos através de exemplos bons e ruis. “A gente vai tirando lições das personagens e vamos jogando luz na complexidade que é a alma humana, para entender o futuro tem de fazer o retrospecto”, esclarece.

Pastor Gil se define como homem de direita, conservador, defensor dos bons costumes e da família tradicional.

Ele disse que não leu Karl Marx na íntegra, apenas resumos, e pretende se aprofundar no filósofo alemão Friedrich Nietzsche. “Nada dessa vida é totalmente descartável ou desprezível. Eu leio Paulo Freire e prefiro evitar extremismos. O fanatismo conjuga a religião e política com fins indevidos. A pessoa fanática não tem discernimento e eu sou contra xingamentos, sou pelo respeito, principalmente para quem é diferente de mim. Respeitar quem pensa diferente é um grande mote. Acima de tudo, o respeito, porque o mundo dá muitas voltas”, assegura.

Nessa São Luís de gregos e troianos, o poeta Nauro Machado tinha razão.

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Escuta Ciência: 5º episódio aborda pesquisa sobre os grandes tradutores de livros, no século XIX, em São Luís

Você sabia que o clássico “Os miseráveis”, de Victor Hugo, foi traduzido e publicado em São Luís poucos meses depois do lançamento da obra na Europa?

Essa é uma das revelações da pesquisa do doutor em Estudos Portugueses pela Universidade Nova de Lisboa (Portugal), Roberto Sousa Carvalho, autor do livro “Maranhão, província tradutora: livros e tradutores em São Luís do séc. XIX”, publicado pela Editora da UFMA.

O 5º episódio do Escuta Ciência (clique aqui para ouvir) conversou com o pesquisador sobre o movimento intelectual formado por médicos e escritores dedicados ao ofício de traduzir relevantes textos que circulavam fora do Brasil.

O programa aborda também o surgimento da imprensa no Maranhão, em 1821, no nascedouro do jornal “O Conciliador”, além da pujante produção gráfica e editorial das tipografias instaladas em São Luís naquele período.

Escuta Ciência é um programa de divulgação científica que tem o objetivo de popularizar trabalhos acadêmicos ou da cultura popular. A produção tem apoio da Apruma Seção Sindical e é fruto da Oficina de Divulgação Científica realizada durante a greve dos docentes e técnicos istrativos da UFMA, no primeiro semestre de 2024.

O programa tem produção e apresentação dos professores Carlos Agostinho Couto e Ed Wilson Araújo.

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Meu nome vem do rádio e da Jovem Guarda

Eu estava com meus alunos da disciplina Crítica da Mídia (Jornalismo/UFMA) no setor de obras raras da Biblioteca Pública Benedito Leite, em São Luís, pesquisando nos jornais antigos sobre um fato rumoroso ocorrido no Maranhão, na década de 1990, quando um aluno chamou minha atenção para essa página do jornal O Debate, de 14 de maio de 1993.

É uma notícia anunciando show do cantor e compositor Ed Wilson, um dos ícones da Jovem Guarda, movimento cultural dos anos 1960 liderado por Wanderléa, Roberto Carlos e Erasmo Carlos.

Batizado Edson Vieira de Barros, Ed Wilson era filho de uma família de artistas. A sua mãe, Elair Silva, foi cantora da Rádio Nacional; e o pai, ator de cinema. Os manos, chamados irmãos Barros, tinham música na veia.

O rádio, o parto e um nome

Jornal “O Debate” anunciava show em 1993

A escolha do meu nome é daquele tempo e tem uma história interessante, envolvendo o rádio.

Quando eu nasci, em 1967, meu pai estava sintonizado na antiga Difusora AM (A Poderosa) e tocava a música “Festa de Arromba”, um hit frenético popularizado por Roberto Carlos, o tremendão Erasmo Carlos, a banda The Fevers, entre outras interpretações.

A música é uma celebração dos famosos da época que agitavam o evento, provocando euforia d@s fãs.

Uma das celebridades da festa era o cantor e compositor Ed Wilson, que foi denominado pela Revista do Rádio, em 1962, de “O Elvis Brasileiro”, devido as suas afinidades performáticas e a imitação do imortal Elvis Presley.

Um trecho da música “Festa de Arromba” diz assim:

“”Renato e seus Blue Caps tocavam na piscina
The Clevers no terraço, Jet Black’s no salão
Os Bells de cabeleira não podiam tocar
Enquanto a Rosemary não parasse de dançar


Mas vejam quem chegou de repente
Roberto Carlos com seu novo carrão
Enquanto Tony e Demétrius fumavam no jardim
Sérgio e Zé Ricardo esbarravam em mim


Lá fora um corre-corre dos brotos do lugar
Era o Ed Wilson que acabava de chegar
Hey, hey (hey, hey), que onda
Que festa de arromba!
“”

Veja a música na íntegra:

Quando mamãe pariu, meu pai, ouvindo a música no rádio, não teve dúvidas:

… era o Ed Wilson que acabava de chegar…

O cantor e compositor integrou o famoso grupo Renato e Seus Blue Caps, em atividade até hoje. Foi também um dos criadores da banda The Originals, composta por ex-integrantes de três grupos de referência da Jovem Guarda: The Fevers, Renato e Seus Blue Caps e Os Incríveis.

Uma das músicas célebres da autoria de Ed Wilson é “Chuva de prata”, interpretada por Gal Costa. Ele compôs também “Aguenta coração”, famosa na voz de José Augusto; “Pede a ela”, cantada por Tim Maia; e “O pensamento vai mais longe”, interpretada pelo The Feveres.

Na década de 1980 ele aderiu à onda gospel e gravou vários CDs e DVDs com temática religiosa evangélica, entre eles o álbum “Chuva de bênçãos”.

Ed Wilson, uma referência na cena musical brasileira, era carioca do bairro Piedade e faleceu em 2010, aos 65 anos de idade.

Abaixo tem um vídeo de minha autoria gravado em uma exposição sobre as mulheres do rádio, no Centro Cultural Santander, em São Paulo, onde também faço menção à origem do meu nome. Assista:

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Rádio das Tulhas: som na feira da Praia Grande roda música, afetos e resistência

Texto: Vanessa Aguiar, estudante do 1º período de Jornalismo da UFMA

Revisão: Ed Wilson Araújo

Os sábados na feira da Praia Grande ou Mercado das Tulhas ganharam um tom especial há dois anos, quando o economista e agitador cultural Luiz Noleto instalou uma emissora alternativa no local.

A ideia surgiu no período da pandemia, em 2021, apenas com um celular e uma pequena caixa de som. Perseverante, aos poucos a caixinha foi carinhosamente nomeada de Rádio das Tulhas. Por dois anos, Noleto fez com que a música ecoasse pelo mercado e preenchesse o vazio que a pandemia provocou.

O projeto nasceu com o objetivo de reproduzir a produção musical de artistas maranhenses e de outros bambas do cenário nacional e internacional. No começo, teve o ouvido amigo da produtora cultural Juliana Hadad, do jornalista Zema Ribeiro e do DJ Vitor Hugo, incentivadores para a consolidação do projeto.

Na discotecagem, o DJ Vitor Hugo pilota a rádio em parceria com Luiz Noleto, que cuida também da produção, junto com Filipeza. A marca que contem a identidade visual da emissora (veja detalhe na imagem destacada) foi criada pelo design Regis Chaves. Além da música eletrônica, a rádio conta com a presença de artistas convidados e homenageados fazendo som ao vivo.

Vitor Hugo e Luiz Noleto agitam os sábados pilotando a Rádio das Tulhas

Ao longo de dois anos, dezenas de fazedores e fazedoras de cultura ecoaram no microfone da Rádio das Tulhas, registrados em fotos expostas em um que ornamenta o cenário da emissora. “É uma rádio feita para cultura e os feirantes”, define Noleto.

Homenagem ao Samba

Uma data marcante na história da Rádio das Tulhas foi o Dia Nacional do Samba, celebrado em 2 de dezembro, quando uma trupe de artistas lotou o mercado na festa denominada “Kizomba da Rádio das Tulhas”, tendo como homenageado especial o cantor e compositor Joãozinho Ribeiro.

Diante da importância desse gênero musical contagiante, a Rádio das Tulhas e seu anfitrião Luís Noleto prestaram uma grande homenagem ao samba.

Centro Histórico

A palavra tulha significa um local para venda de grãos. É sinônimo de celeiro público onde se comercializam gêneros alimentícios. O Mercado das Tulhas, conhecido também como Feira da Praia Grande, é uma construção do século XIX, localizada no coração da cidade de São Luís, no Centro Histórico.

No ado teve grande importância para o desenvolvimento do Maranhão, por ser o entreposto utilizado pelos principais comerciantes do estado e, portanto, uma referência do poder econômico. Hoje, marca da cultura e história do Maranhão, a Feira da Praia Grande ou Marcado das Tulhas é um ponto turístico obrigatório.

Apesar de o projeto contar com muitos ouvintes e afetividade do público, a Rádio das Tulhas é uma iniciativa independente. Não conta com apoio dos órgãos públicos, mas reivindica apoio para funcionar como equipamento cultural de interesse coletivo na cidade.

A falta de apoio governamental não impediu que a continuidade da rádio. O projeto é mantido com patrocínio dos feirantes e a solidariedade dos freqüentadores do mercado, assim como dos apreciadores da boa música.

Todos os sábados, das 12h às 18h, a rádio atrai muitos visitantes, como Cristina Salazar, aposentada e frequentadora assídua da feira. “Eu espero que o governo e a prefeitura invistam nesse projeto lindo”, reivindica.

Além de atrair visitantes de fora, “a rádio se torna uma atração muito boa para rotatividade dos turistas”, afirma a pedagoga Carla Lima.

E não são apenas os visitantes que se usufruem da boa música e do agradável ambiente. Com tantas atrações no Centro Histórico de São Luís, os feirantes se beneficiam pela quantidade de clientes, que estão cada vez mais interessados em conhecer e provar da nossa cultura. “A rádio traz alegria para as barracas e ajuda nossas vendas”, registra a comerciante Maria Raimunda Mendes.

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Deputado Wellington deve IPTU e não cumpre a Lei de Muros e Calçadas

O deputado estadual Carlos Wellington de Castro Bezerra ou Wellington do Curso tem uma dívida de R$ 14.968,23 (catorze mil, novecentos e sessenta e oito reais e vinte e três centavos) junto à Secretaria Municipal de Fazenda (Semfaz), órgão da Prefeitura Municipal de São Luís.

O valor total soma dívidas acumuladas nos anos de 2008, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021 do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de um terreno localizado na avenida Getúlio Vargas, 101, no bairro Apeadouro, em São Luís (veja imagem abaixo).

Parlamentar está inadimplente com o
IPTU em quase 15 mil reais

O imóvel é utilizado como estacionamento para alunos e funcionários do Curso Wellington, empreendimento de propriedade do parlamentar destinado a preparar estudantes para seletivos, concursos e vestibulares.

No Boletim de Cadastro Imobiliário da Prefeitura de São Luís, o terreno com área de 785 m² (setecentos e oitenta e cinco metros quadrados) está registrado em nome do proprietário Carlos Wellington de Castro Bezerra (veja imagem abaixo).

Cadastro confirma a propriedade do
terreno do deputado Wellington do Curso

Aqui você pode navegar pelo GoogleMaps e observar as imagens da sede do Curso Wellington e o terreno do outro lado da avenida Getúlio Vargas.

Mobilidade prejudicada

Além de não pagar o IPTU ao longo dos anos listados, o deputado descumpre a Lei de Muros e Calçadas (nº 4590/2006), que “dispõe sobre a construção, reconstrução, conservação de muros e calçadas e dá outras providências.”

Terreno sem calçada dificulta a mobilidade em uma avenida movimentada. Imagem: GoogleMaps

Segundo a legislação, no artigo Art. 3º, “todo proprietário ou possuidor de terreno, edificado ou não, situado no Município de São Luís, inclusive as pessoas jurídicas de direito público, são obrigados a:

I – fechá-lo, na sua testada voltada para o logradouro onde está localizado o imóvel;

II – construir o eio, mantendo-o limpo e drenado.”

No Art. 8°, a Lei nº 4590/2006 disciplina a obrigação do proprietário do imóvel para edificar o eio: “A construção, reconstrução, manutenção e a conservação das calçadas dos terrenos, edificados ou não, são obrigatórias e competem aos proprietários ou possuidores dos mesmos, após licença concedida pelo órgão municipal competente, observada a legislação em vigor.”

De Acordo com o Boletim de Cadastro Imobiliário, o terreno do parlamentar foi adquirido em 1988 e tem 18 metros de frente. O imóvel fica próximo de quatro pontos de ônibus, duas faixas de pedestre, farmácia, hospital Aldenora Belo e residências no bairro Apeadouro.

Diariamente, centenas de pessoas precisam se deslocar pelo eio, mas a ausência de calçada dificulta a mobilidade para idosos, gestantes, crianças e pessoas com deficiência.

Durante o período chuvoso, a área onde deveria ter calçada fica alagada e forma uma grande poça de lama, obrigando os transeuntes a caminharem pela margem do asfalto, na avenida Getúlio Vargas, onde o tráfego de veículos é intenso. Já no segundo semestre, na estiagem, o que era lama vira poeira.

Sem calçada, pedestres são submetidos a
lama ou poeira. Imagem: GoogleMaps

Transeuntes que se deslocam aos pontos de ônibus, pacientes do hospital Aldenora Belo (especializado em tratamento do câncer) e até mesmo estudantes do Curso Wellington precisam utilizar a calçada, mas o direito instituído na legislação municipal é negado.

O Blog do Ed Wilson questionou o parlamentar sobre o não cumprimento da Lei de Muros e Calçadas. Wellington do Curso respondeu por mensagem de voz (ouça aqui) colocando dúvida sobre a propriedade do terreno: “Eu vou dar uma verificada porque o estacionamento lá na frente é um terreno alugado, é só um terreno lá, mas eu vou dar uma verificada com o proprietário na situação e aí eu te comunico.”

Em áudio, o deputado ficou de verificar a propriedade
do terreno, mas não retornou a informação
Além do testemunho dos funcionários do Curso Wellington, a reportagem apurou junto à Semfaz que o terreno é de propriedade do parlamentar

O Boletim de Cadastro Imobiliário não deixa dúvidas: o terreno é de propriedade do parlamentar e ele tem a obrigação de construir a calçada, segundo a Lei nº 4590/2006. O deputado está no segundo mandato e foi candidato a prefeito de São Luís em 2016, dez anos após a vigência da Lei de Muros e Calçadas, publicada em 2006, na gestão do prefeito Tadeu Palácio.

Na disputa eleitoral de 2022, o parlamentar já manifestou apoio ao pré-candidato bolsonarista raiz Lahesio Bonfim ao Governo do Maranhão. Bonfim é atual prefeito da cidade evangélica de São Pedro dos Crentes, localizada no sul do estado.

Wellington do Curso faz intensa propaganda da sua atuação parlamentar por meio das redes sociais, sempre cobrando enfaticamente diversos gestores municipais e estaduais, além de fazer constantes reivindicações aos dirigentes de órgãos de controle e de fiscalização sobre o cumprimento das leis; no entanto, ele próprio deve tributos municipais do terreno mencionado e não cumpre um dos dispositivos elementares da mobilidade e do direito à cidade – a calçada.